Geração espontânea, assim apareci...
Abro os olhos, sinto a adrenalina, o frio no estômago, o entorpecimento desvanece-se como se fosse uma espécie de rigor mortis em retrocesso.
A clareza cristalina surge e que vejo eu? Vejo que se me acabou coca, condição sine qua non para aguentar o resto da noite ao som do revivalismo deprimente dos hits dos 80'as. Avaliei a situação em que me encontrava e o resultado era aterrador: estava mais do que fodido, pois nem a toda a droga e álcool deste mundo haveriam de tornar o estropício que teimava em me agarrar e beijar, numa coisa agradável, sensual ou mesmo em qualquer coisa que se assemelhasse ao género feminino.
A pior coisa que pode acontecer a um sábado à noite é sentir-mo-nos sozinhos e deprimidos, pois tomam-se decisões por impulso, e por momentos somos atingidos por uma cegueira temporária que nos tolda todo o processo de avaliação do trinómio noite-gaja-barrasquice.
Recorre-se à Reciclagem e desencanta-se um coirão que outrora desenterrámos numa rede social, e que por azar nos enganou com as fotos, pois o Photoshop já superou a Nossa Senhora de Fátima nas questões milagreiras. Já sabemos ao que vamos, mas mesmo assim insistimos no erro e tentamos enganar-nos com hipóteses remotas do género: "Se calhar ganhou o Euromilhões e fez uma reconstrução facial e perdeu 50 Quilos".
Quando por fim o reencontro presencial se dá, começamos a dar conta da asneira, e aí insistimos na auto-ilusão: "Talvez o marido também venha ou hoje só lhe apeteça conversar".
Mas não, a conjuntura veio para ficar e começamos a sentir os primeiros amassos que nem mesmo os lembretes da nossa parte em relação ao corno do marido lhe fazem peso na consciência. A minha última e derradeira esperança é que o mundo acabe naquele preciso momento.
Por milagre encontro alguém conhecido a quem me colo e me serve de desculpa (rocambolesca e inventada na hora) para abandonar aquele antro e aquela situação.
Poderia recorrer ao facilitismo de lhe dizer que estava redondamente arrependido, que ela era a minha forma de auto-mutilação e que a quantidade de coca consumida já estava a fazer efeito e já gostava de mim outra vez, mas tenho um problema grave e raro e pelo qual sou sobejamente gozado por todos, que é o respeito pelos outros. Felizmente é só às vezes...
28/05/2009