terça-feira, 13 de julho de 2010

Déjà vu: sleepwalker


Estou!
Vinho e vodka misturam-se com o plasma, sinto o quente no corpo e na alma. Olho para cima e vejo luzes, muitas! Cores, alternância e frequência que à primeira vista são aleatórias. Olho com atenção, escuto com ainda mais atenção. A linha do baixo faz-me abanar o queixo, a batida do bombo condiciona-me o ritmo cardíaco. Há um corpo, há alguém, existe, está ali. Fecho os olhos, sigo o som, refugio-me nas luzes e tento passar incógnito, abandono-me e agarro quem existe, quem ali está, alguém...

Sinto!
Suor em todos os poros. Emoção e exaustão lutam entre si. Olho, vejo o Sol entre as persianas. Está fixo, constante e brilhante. Debato-me contra a gravidade mas ela ganha, puxa-me para baixo. Os braços cedem, o meu corpo cai, não resisto. Há um corpo, há alguém, existe, está ali. Fecho os olhos, toco-lhe, é suave, não é um sonho, não sei o que é. Tento perceber, faço uma cronologia, um rewind. Desisto, não quero saber, não quero pensar. Abandono-me e adormeço!

Oiço!
-Estive a ver-te dormir. Estavas muito sereno.
Déjà vu!!!

Talvez seja isso, a cura para tudo. Para a aceitação, para a fúria, para a letargia! Talvez esteja aí a solução: dormir para sempre! A serenidade, a normalidade, a paz. Ou a morte ainda em vida...

domingo, 4 de julho de 2010

Afinal o que eu quero é mesmo um Bosch

Estão a acontecer coisas estranhas neste blog: está a ficar sério! Cada vez há menos relatos de comportamentos desviantes, falta-lhe ódio generalizado, e o pior, as pessoas começam a gostar. Era só o que me faltava, ser visto como um tipo sério, coerente e amistoso. Prefiro fingir que sou um filho da puta irascível e estouvado. Só tem vantagens, pois além de atrair gajas sem pudores, afasta também a coisa que mais vómitos me dá, logo a seguir ao excesso de álcool: pessoas que se dizem estar de bem com a vida!

Talvez os últimos textos sejam um reflexo da minha arritmia emocional, são de facto um bocado depressivos, e convenhamos, as depressões só atraem duas coisas: psiquiatras e gajas fúteis. Não há nada pior do que uma vaca sensaborrona que nos quer dar alento apenas para ter a certeza que há gente ainda mais fodida do que ela. É que há gente que não se entrega à auto-ilusão, não lê livros do Paulo Coelho, não gosta de animais fofinho e pequeninos, não é de esquerda, não curte os fracos e oprimidos, é politicamente incorrecto. Acho que no fundo é o que mais se aproxima do conceito de "ser verdadeiro", é a prova de que "estar de bem com a vida" é sinónimo de estar morto.

Há quem diga que para se viver uma vida plena é preciso apenas Amor, Saúde e Dinheiro. Se assim é, eu estou condenado, pois perdi a fé no Amor quando conheci a cocaína; perdi a fé na Saúde quando conheci a heroína; só ganhei fé no "speedball", algo que me deu uma alegria enorme enquanto deambulava pelo Limbo. O dinheiro nunca experimentei, não tenho fortuna de família, e acho até que é por isso que não consigo as outras duas. Não tenho dinheiro para as melhores putas; não tenho dinheiro para mais e melhores drogas porque não tenho dinheiro para os melhores centros de desintoxicação.
Tenho que me resignar às migalhas, às gajas que ainda vão caindo na esparrela, aos dealers manhosos e a sua coca-acetilsalicílico, ao trabalho forçado, aos hobbys rudimentares, a uma procura incessante de algo que me faça sentir vivo sem tem que dispender de dinheiro. Quem disse que ser um impudente de merda era fácil? Por muito estranho que pareça, o tédio também assalta os pobres. É raro, mas acontece...

Há muitos anos fui assaltado pelo tédio, vai daí tentei uma coisa nova: casei-me! Tentei matar dois coelhos de uma cajadada só, encontrar o Amor e livrar-me do tédio. A única coisa que encontrei foi ódio e ainda mais tédio. E o tédio em excesso pode matar um pobre. Já o ódio é inócuo, e pode até ser salutar, prepara-nos para uma realidade que nos é desconhecida até meados dos 30 anos: a sociopatia! É que as piores coisas que já conheci na vida foi justamente pessoas. Tirando o trabalho forçado, claro...
Foi com base nessa antipatia genérica pela praga humana que um dia tentei juntar o útil ao agradável, tentei matar o tédio utilizando pessoas: experimentei o BDSM. Mas não resultou, já que a ideia era mesmo causar sofrimento sem que ele fosse desejado. Até esqueci a "safeword" mas a cabra tinha um cartaz com a palavra escrita, e conseguiu mostrá-lo pouco depois de eu a desapertar do arame farpado e pouco antes de eu pegar no álcool etílico. Podia ignorar a palavra escrita no cartaz alegando que era analfabeto e abominava isso das "Novas Oportunidades" e branqueamento de estatísticas, mas foi como mostrar um crucifixo a um vampiro. A palavra no cartaz era "AMO-TE!"

Hoje em dia tento viver um dia de cada vez. Não, não curto aquela merda do "carpe diem" nem sequer sigo essa filosofia. Primeiro porque é a coisa mais batida logo a seguir à Marta Leite castro, depois porque não é verdade. Apenas sigo resignado que a vida e as pessoas são na realidade uma grandessíssima merda e que é pouco provável que a quase-extinção da raça humana seja uma realidade a curto prazo. Se o Ronaldo foi pai, já acredito em tudo. Se bem que nisto podemos dar graças a Deus (ao vosso ou ao dos outros) de poder assistir in loco à teoria da Evolução das Espécies, de Darwin. A conclusão só a conheceremos daqui a uns anos, mas julgo que "evolução" não será um termo adequado, talvez "aberração genética" seja mais apropriado. Por outro lado pode ser que tenha nascido um novo messias, talvez agora o termo "Virgem Maria" esteja mais próximo de "Filho da Puta"!
Mas nem tudo é mau nesta vida triste e tóxica, por vezes ainda vamos tendo algumas alegrias que nos dão força para continuar. Por vezes até consideramos que a solidão auto-imposta possa ser um erro. Claro que isto é só até ao orgasmo. O meu, claro!

Estava eu a actualizar o meu estado no Facebook (que consiste apenas numa única frase mas em várias formas e idiomas: "Quero que vocês todos se fodam!") quando recebi um telefonema de uma conhecida a convidar-me para um tríptico. Embora não curta pessoas, ainda não considerei em dedicar-me à pastorícia, além disso fartei-me de punhetas ainda na adolescência. Por isso mesmo aceitei, ainda para mais um tríptico: não é todos os dias que temos disso à borla!
Ela sugeriu o encontro num museu qualquer, e nem sequer questionei, já que não faço juízos de valor de gajas com pancas estranhas, e até pode ser engraçado debochar em sítios enfadonhos. Quando lá cheguei só estava ela, e aí percebi que a falta de cultura geral pode ser frustrante. Afinal ela estava sozinha e apenas íamos ver um quadro em três partes da autoria de um gajo chamado Bosch. Fiquei para lá de fodido. Infelizmente não foi na sua forma literal, mas pronto, já que ali estava e não tinha nada que fazer, mais valia ir ver a merda da pintura. Afinal um encontro é um encontro. Todos nós temos que aguentar à jarda uma gaja a debitar inanidades durante um jantar inteiro apenas com o intuito de a comer a seguir. Aquilo não seria muito diferente. A única diferença é que ia foder de estômago vazio, mas em compensação não tinha que gastar dinheiro a alimentar uma mula.
Chegados à peça em questão, olhei-a com indiferença, mas algo me chamou à atenção. Fixei-me no painel central, comecei a perceber que aquilo não era muito diferente da minha vida actual. E foi aqui que fui assaltado pela dúvida, e se afinal Deus (um qualquer) existir? E se aquilo for uma representação quase fiel da realidade? Foi aí que olhei para o painel da esquerda, percebi que nunca seria o meu destino, esse estará provavelmente no painel da direita. A dúvida existêncial é nefasta, por momentos deixei de estar ansioso por comer a mula, comecei a considerar a metafísica e os contos de fadas. Se eu estiver enganado, o mais certo é a agonia eterna do Inferno. E foi neste momento que fiquei mais calmo, já que, se lá chegar, vou encontrar muita gente conhecida. Será lá que, de uma vez por todas, privarei com um qualquer famoso.
Saí de lá introspectivo, a pensar nestas questões todas. Felizmente esta mula que me convidou apenas foi ver o quadro por questões meramente profissionais. Ela trabalha numa firma chinesa que faz reproduções de obras de arte famosas. Os bimbos e os azeiteiro já estão a ficar exigentes, já se começam a fartar da Mona Lisa e do fedelho chorão.
Ao sair daquele antro anti-tusa, tudo voltou ao normal. Caguei na fé, na redenção, no inferno e no cabrão do trio que erroneamente me levou até ali. Continuava o mesmo cabrão de sempre, ocioso, javardo e hedonista. E pasme-se, vou sendo feliz assim.
A gaja, pisca-me o olho e diz:
-Agora que já vimos o Bosch, vamos acrescentar-lhe um R?